BELIZE, PEDALANDO NA ROTA MAIA – AMÉRICA CENTRAL
A primeira ciclo viagem internacional do Sampa Bikers, aconteceu em fevereiro de 97. Os ciclistas Paulo de Tarso , Heber de Souza, Reinaldo e Marli Opice, pioneiros no clube, durante três semanas, percorreram 550 km com suas mountain bikes em Belize, país da América Central. O objetivo foi percorrer a ROTA MAIA e conhecer um dos mais importantes sítios arqueológicos dessa civilização pré-colombiana.
A ciclo viagem teve o patrocínio dos desodorantes AXE, que na época tinha um projeto chamado de AXE ADVENTURES. Até hoje foi o maior projeto de patrocínio para uma viagem de ciclo turismo no país. Tivemos todo o apoio da marca com fornecimento de todos equipamentos para uma verdadeira expedição. Barracas, roupas especiais, comidas apropriadas para acampamento e todos os custos de passagens aéreas, hospedagens e tudo o necessário para segurança e sucesso da aventura. Além disso, tivemos também o apoio da Caloi que preparou bicicletas mountain bikes especialmente para cada integrante.
Com isso o retorno de mídia sensacional. Fomos notícias em todos os principais jornais e tv do país. Até hoje em nenhuma ciclo viagem ou atividade ciclística houve tanto retorno de mídia.
Mas não foi fácil!
Foram 15 meses de preparação para a tão sonhada viagem. Na época não havia google, o email estava começando e os equipamentos importados eram muito difíceis no Brasil, pois não havia ainda uma política aberta à importação e preços acessíveis. Com isso os principais itens para a viagem tiveram que ser trazidos de fora por conhecidos que fizeram viagens e com isso a equipe teve a chance de ter em mãos as principais novidades da épica: O vestuário foi adequado ao calor tropical e passeios ao ar livre, sendo composto basicamente por camisetas e bermudas de Coolmax, na época uma novidade ! desse tecido que permite a evaporação do suor do lado externo da roupa, evitando que a musculatura resfrie e em conseqüência a perda de rendimento.
Outra novidade na época foi o uso de GPS, um equipamento de grande importância para a ciclo viagem. Mas os GPS daquela época não havia mapas, só marcavam o percurso e não nos deixava andar em círculo. A bússola e um mapa do país era o mais importante.. Levamos ainda comidas desidratadas, e todo equipamento básico para camping e muita água – 7 caramanholas para cada. Tudo isso deu um total de 45 kg para os homens e 35 kg para as mulheres.
A VIAGEM
Colonizado por ingleses, Belize, antiga Honduras Britânicas, se localiza na América Central, espremido entre o México, a Guatemala e o mar do Caribe. É o no litoral onde o turismo é mais explorado, devido sua grande barreira de coral, a segunda maior do mundo, perdendo somente para Austrália. O que pouca gente sabe é que o país também abriga grande quantidade de ruínas maias e a segunda maior floresta tropical do planeta.
Foi justamente o fato de Belize ser uma região com muitos atrativos e principalmente por ser tão pouco conhecida que atraiu a atenção dos mountain bikers brasileiros Paulo de Tarso, Heber de Souza e Reinaldo e Marli Ópice.
”Escolhemos essa região por ser pouco conhecida, pela beleza e por nos permitir visitar ruínas maias em plena floresta. As bicicletas por sua vez, nos colocaram direto com a natureza”, conta Paulo de Tarso.
Ainda no Brasil, no aeroporto despertávamos uma certa curiosidade nas pessoas, isso devido a nossas malas bike ( mala especial de carregar bicicletas) um volume muito grande. Chegando a Belize a primeira surpresa, a bicicleta do Reinaldo teve a gancheira do amortecedor que prende a roda quebrada.
Depois de muita procura encontramos a loja de um ciclista local, onde conseguimos um garfo. Passado o susto saímos para conhecer a cidade de Belize e pegar algumas autorizações para acampar junto às ruínas. Como era outros tempos tudo era feito lá, pois não havia google e qualquer informação do país era bem difícil no Brasil.
Belize City, nosso ponto de partida é a maior cidade do país. A arquitetura da cidade é bem interessante com casas de madeira e em sua grande maioria construídas no alto, sobre pilares, também de madeira e telhas de alumínio para recolher água da chuva. A população é em grande maioria negra com destaque para o grande numero de rastafaris. Vez por outra caminhando pela cidade éramos abordados por alguém querendo nos vender drogas. Outra curiosidade era o da comida. O prato tradicional do país era um viradinho de arroz com feijão preto e tempero de leite de côco com mistura de frango ensopado com bastante pimenta. A primeira vista parece ser até parecido com nossos pratos, mais dois dias seguidos comendo a mesma coisa chegou a ser meio enjoativo.
Em nosso primeiro dia de pedal a anciosidade era grande para o que viria a frente, uma coisa era certa, as dificuldades seria uma constante durante toda a aventura. Saímos bem cedinho após um café da manhã reforçado com feijão e muita pimenta outra tradição do país. Ainda na cidade muitas pessoas nos acenavam e gritavam Brasil, quando reconheciam a nossa bandeira. Na saída da cidade tivemos que parar em um posto de gasolina para abastecer nosso reservatório de gasolina para podermos cozinhar em nossos acampamentos, nesta curta parada fomos reconhecidos devido ao nosso uniforme e bandeira, pela pessoa com quem conversávamos via e-mail (uma novidade na época) procurando saber do melhor caminho a ser utilizado pela nossa equipe.
Seguindo em frente, já fora da cidade uns 10 km, paramos no Consulado do Brasil, pensando em falar português em um país tão desconhecido por nós, mais quebramos a cara, pois a consulesa além de não ser brasileira, era de Belize, mal falava português e ainda estava tendo aulas.Percorridos 15 km, nosso primeiro pneu furado, era da bike do Reinaldo, que não estava com muita sorte. Trinta quilômetros de pedaladas e estávamos entrando floresta adentro, a nossa volta era pura mata virgem, deixando o grupo com um pouco de tensão. Chegamos à estrada de acesso para ruína já no final da tarde, impossibilitando nossa ida. Seguimos a frente à procura de um local para acampar, em nosso mapa indicava um camping, a uns 3 km a frente do ponto que estávamos, só que ao chegar lá descobrimos que tinha fechado. Aí bateu um certo medo, onde ficar, pois a única área disponível era a estrada. A nossa volta só mato! Imagine você no meio da floresta amazônica, era mais ou menos nosso caso.
A nossa sorte é que encontramos uma ciclista, Alice Heredia, uma das raras moradoras da região. Com seus cabelos todos enrolados com bobs cor de rosa, que pareciam um capacete, ela nos disse que fazia tudo de bicileta, pois era o melhor meio de locomoção daquela região e fez questão de ela própria anotar o endereço para enviarmos a foto que tiramos com ela, depois nos indicou como chegar a um Colégio a um quilômetro do ponto onde estávamos. Saímos rapidamente, pois já era quase noite, e o ataque dos mosquitos era grande. Chegamos a um colégio enorme no meio do nada. Era o King’s College, um colégio interno adventista.
Era sábado e o colégio estava vazio, só os professores estavam reunidos, pois eles moravam lá em uma vila só de professores. Fomos muito bem recebidos, principalmente quando souberam que éramos do Brasil. E nos encheram de perguntas. E um dos mais empolgados era o diretor Sr. Marcial Castillo, que não se cansou de tirar nossas fotos.
Depois de quase uma hora matando a curiosidade dos professores e suas famílias e muita picada de mosquito nos indicaram um bom local para montarmos acampamento no pátio do colégio, apesar de professores e bastante instruídos pelo local, era novidade tudo aquilo que acontecia. Novidade mesmo foi acampar para nossa equipe, que nunca tinha feito isso na vida.
No dia seguinte seguimos para visitação de nossa primeira ruína, a de Altun Ha. Que foi entre os anos 1000 a.C. a 1400 d.C., uma importante cidade maia, onde está localizado o templo do Deus Sol, foi uma grande fonte de jade, de onde os arqueólogos retiraram a maior escultura do Deus Kinich Ahau confeccionada neste material até hoje descoberta. Depois de nosso primeiro impacto seguimos viagem, agora em direção a cidade de Orange Walk, ao norte de Belize.
Enquanto na maior cidade se fala o inglês e às vezes um dialeto próprio, no restante do país se houve muito o espanhol. “A cultura varia de cidade para cidade. Cada vez que entrávamos em um novo vilarejo parecia que entrávamos em um novo país”, diz entusiasmada Marli Ópice.
Além dos descendentes de ingleses, o grupo encontrou pela estrada negros de diferentes etnias e, sobretudo no interior, latinos com os traços típicos dos maias, antigos habitantes da região. Dentre toda esta cultura milenar, preservada pela densa mata, existe uma comunidade que mais se destacou pelo contraste com as outras e que também parece ter parado no tempo. Trata-se dos menonitas, uma seita reformista protestante, que mantém uma colônia em Orange Walk. E que falam o alemão arcaico.
Os homens e mulheres deste povo vestem-se todos de uma mesma maneira, lembrando a comunidade Amish, dos Estados Unidos. Auto-suficientes, repudiam todo e qualquer sinônimo de progresso, como eletricidade ou artefatos manufaturados, a exemplo da borracha e do plástico. A água é bombeada por moinhos e a iluminação é feita por lampiões. Sobrevivem da agricultura e pela troca de produtos. Cada família trabalha em um lote de terra e vende o que produz. O meio de transporte são charretes puxadas a cavalos e os tratores, usados no plantio, possuem rodas de ferro. A simplicidade impera neste povo arredio, comandada por ministros religiosos que impõem rígidas regras de comportamento que, quando desobedecidas resultam em expulsão da comunidade.
A seita menonita, criada no século XVI, por Menon Simons, na Holanda, tem colônias espalhadas pelo Canadá, México, Bolívia e Paraguai. Em Belize está concentrada a maior colônia entre todas. O traço comum entre todos foi à extrema simpatia e hospitalidade. “O fato mais emocionante que vivenciamos era chegar a um vilarejo e ter a bandeira do Brasil a mostra. Imediatamente a pessoas nos tratavam com carinho, os sorrisos apareciam e todos queriam falar sobre futebol” conta Heber emocionada.
Próximo de Orange Wak estava localizado um dos maiores centros cerimoniais Maias de Belize, o de Lamanai (que significa crocodilo submerso). Ocupada por quase 3500 anos, desde 1500 a.C. até o século XIX, possui mais de 700 estruturas construídas em aproximadamente 1000 acres. Seu acesso é somente de barco em um percurso feito durante uma hora em um rio cheio de crocodilos e muitas aves. O principal e mais conhecido guia da região é conhecido como Antônio, um mestiço maia bastante gordo que só usa roupas estilo safari e de muitas histórias. Sob seu comando, sem tirar o binóculo dos olhos em vários momentos o barco faz uma parada para poder observar o Jabiru, que é o maior pássaro do Hemisfério Sul, uma das sensações do passeio.
Dando continuidade à exploração de um dos mais importantes sítios arqueológicos Maia, a equipe, visitou as ruínas de Noh Mul uma valiosa ruína que abrigou duas ocupações Maias: uma no início do período clássico e outra no fim deste mesmo período (de 600 a 900) d.C. Seu estado de conservação deixa a desejar, pois parece mais um morro do que uma ruína devido à intensa vegetação sobre ela. Na cidade de Corozal, a apenas 14 km da fronteira com o México, outra decepção. As ruínas de Santa Rita, que ficam dentro da cidade, “foram muito saqueadas, principalmente pelos americanos e ingleses” conta com uma certa revolta o vigia da ruína. A parada seguinte foi na ruína de Cerros, com acesso somente de barco, foi outra grande cidade Maia, por sua posição estratégica, tornando um ponto de controle e comércio. De lá seguimos para Crooked Tree, uma ilha fluvial que é conhecida como o santuário dos pássaros, e Bermudian Landing, o santuário dos macacos. Entre os vários vilarejos por onde passamos um chamou a atenção: “Lemonal. População 108 pessoas alegres e felizes”. Na estrada um grande susto
“Estávamos pedalando tranqüilamente em um lugar lindo, maravilhoso e cheio de macacos e de repente encontramos um monte de tanques de guerra e muitos soldados. A primeira coisa que veio na cabeça é de estar no meio de uma revolução na América Central. Mais descobrimos que ali funciona uma base do exército americano de treinamento na selva.” Conta Reinaldo Opice.
Mas, a viagem não se resumiu apenas a momentos de prazer. Afinal pedalar em média sete horas por dia, carregando cerca de 40 quilos de bagagem não é tarefa das mais fáceis. Depois de uma rápida parada em Belmopan, capital do país e também conhecida como a Brasília da América Central por sua localização geográfica no centro do país e por ter sido projetada especialmente para ser uma capital, como a nossa.
Seguimos para as montanhas maias e sofremos sob um sol de 40 graus, umidade relativa do ar em 90%, enfrentando uma íngreme subida e uma estrada em péssimas condições, a vontade dos quatro foi uma só: abandonar tudo. Além disso, estávamos atravessando uma reserva de Pumas e Jaguares, onde existem cabanas para sua observação.
Só que ninguém desiste de um sonho no primeiro obstáculo, mesmo que isso signifique ficar com as pernas e glúteos tão doloridos que seja impossível encostar-se ao selim. Mais o esforço valeu à pena, pois a montanha reservou as mais belas surpresas de toda viagem.
Entre elas a Hidey Falen Falls, uma cachoeira de 500 metros de queda e a Rio Frio Caves, uma caverna que era o lugar sagrado para os maias e que ainda conserva as escadas construídas por eles. No caminho de volta encontramos um grupo de mountain bikers americanos que também estavam pedalando pelo país, tiramos algumas fotos juntos, trocamos endereços e seguimos juntos para Rio On Pool, uma série de quedas d’água, formando várias piscinas naturais de águas cristalinas e geladas. Matt Strassberg, um dos americanos que nos acompanharam nos contou que seu maior sonho era de pedalar pela transamazônica, e que seria sua próxima aventura.
Descendo a montanha seguimos para Ruína de Pacbitum, o caminho foi um dos mais críticos devido ao peso das bagagens (com carga de 45 kg para os homens e 35 kg para as mulheres), “ficava difícil de controlar e freiar as bicicletas devido à inclinação forte e aos buracos” Conta Paulo de Tarso.
A aventura estava chegando ao fim, quando a equipe, após passar pelos vilarejos de San Pedro e San Ignácio, conseguiu chegar a Xunantunich, a última ruína que visitamos, após atravessar uma balsa manual. Tivemos que subir mais um pouco e chegar em cima da hora de encerramento da visitação, que é as 17 h. Depois de implorar para entrar visitamos só as principais e maiores ruínas e sem tempo para visitar o resto. Seguimos então para a cidade de Benque. A apenas três quilômetros da fronteira com a Guatemala, a fim de pegar um ônibus até a cidade de Belize, para no dia seguinte seguir de barco até a ilha de Cay Caulker. Como perdemos o ônibus fomos à procura de um local para se hospedar e o fato mais engraçado desta aventura aconteceu neste dia. O único hotel da cidade havia uma placa. “O hotel reabrirá às 20 Horas”. E as 20h00min em ponto ele foi aberto.
A ilha de Cay Caulquer foi um dos pontos altos da aventura, lá passamos dois dias apenas descansando de todo esforço físico passado durante 14 dias. Sentar na bicicleta estava difícil, pois as dores eram muitas. Ali estava o praticamente a única forma de turismo explorada em Belize, onde mergulhadores do mundo inteiro aproveitam para explorar as belezas ali existentes. Entre estas belezas está o Blue Hole, um enorme buraco no oceano e também a 2ª maior barreira de corais do planeta, onde estão situada diversas reservas marinhas que mediante ao pagamento de 10 dólares você poderá mergulhar junto de uma grande variedade de fauna e flora marinha, entre eles muitas arraias e tubarões, inofensivos, mais assustadores com seu imenso tamanho.
Uma data bastante comemorada nas ilhas de Belize, principalmente na de Cay Caulquer e de San Pedro é o aniversário do Bob Marley, comemorado no dia 6 de fevereiro, isso devido à maior parte da população da ilha ser de negros seguidores do “RASTAFARI”. Uma festa como o nosso carnaval, com muito regae, cerveja e a famosa “marijuana”, como pregava o famoso ídolo.
ASSIM FOI NOSSA PROGRAMAÇÃO DE PEDAL:
1º dia – Belize City a Altun Ha – 58 km
2º dia – domingo – ALTUN HA a ORANGE WALK – 69 KM
3º DIA – 27/01- ORANGE WALK a COROZAL – 58 KM
4º dia – COROZAL – 12 KM –
5º dia – COROZAL a ORANGE WALK, VIA CERROS –
6º dia – ORANGE WALK a LAMANAI – DE BARCO.
7º dia – Crooked Tree – Bermudian Landing – Acampamento – 69 km
8º dia – Belmopan – 35 km
9º dia – Belmopan a Mayas Mountains – 56 km
10º dia – ACAMPAMENTO – HIDEN FALEY FALLS – 33 KM
11º dia – ACAMPAMENTO – RIO FRIO CAVES – RIO ON POOL – 40 KM
12º dia – PINE RIDGE MOUNTAIN – XUNATUNICH – BENQUE – 53 KM
Texto e vídeo: Paulo de Tarso Martins
Fotos: Reinaldo Ópice