Ilha de Páscoa ou Rapa-Nui, como os nativos fazem questão de chamá-la, em seu idioma Polinésio. A grande atração desta ilha isolada no meio do Pacífico, a quase quatro mil quilômetros do continente mais próximo (entre a costa do Chile e o Tahiti) e que, apesar de pequena e inóspita, foi berço de uma das culturas mais refinadas e misteriosas que a humanidade já produziu.
A ilha tem apenas 180 quilômetros quadrados, com um formato de triângulo retângulo com os catetos iguais. Em suas maiores dimensões, tem 22 quilômetros de comprimento, correspondente a hipotenusa, por 11 de largura, a altura do triângulo. Isso corresponde a aproximadamente a pouco mais da metade da Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, formato e dimensões que alimentam o natural pendor da ilha para o lado isotérico.
E, em nenhum outro lugar do planeta encontramos tantos enigmas e lendas concentrados num espaço tão reduzido. E o principal mistério local são os moais, figuras humanas esculpidas em pedra que aparece em todos os cantos da ilha e são sua marca registrada.
Mas, além dos moais, a paisagem da ilha é deslumbrante, com diversos vulcões inativos, grutas, cavernas e paradisíacas praias.
As pessoas que exaltam a magia da Ilha de Páscoa também afirmam que ela reúne, numa harmonia perfeita, os quatro elementos da natureza. O fogo que é representado pela origem vulcânica da ilha. Á água, pelo oceano a perder de vista. O ar, puríssimo, no eterno movimento da brisa marinha. E, por fim a terra, representada pela mole e porosa pedra de tufo (ótima para escultura) e pelas negras e brilhantes obsidianas (uma espécie de lava vitrificada, também ideal para o artesanato).
Em 1999 em companhia do amigo Marcelo Bretas, na época, proprietário da Revista Bici Sport, penetramos com nossas mountain bikes nesse cenário de magia, beleza, mistérios e muitas trilhas.
Inclusive, é a melhor maneira de se conhecer a ilha é de bicicleta, pois a ilha é pequena e uma semana pedalando por lá é possível conhecer todos os cantos e mistérios desse maravilhoso local.
O PRIMEIRO DIA – 20 km – POR DO SOL NO AHU TAHAI
Depois de uma viagem de quatro horas de São Paulo a Santiago, no Chile e no dia seguinte mais cinco horas de vôo, até a Ilha de Páscoa, fomos recebidos como quase todos os visitantes, com colares de flores (iguais àquelas do Hawaii). Nosso hotel ficava no centro Hanga Roa, a única cidade da ilha. A população local da ilha não passa de três mil habitantes. Tirando os turistas, que logo se tornam conhecidos pelo nome,
70 % dos habitantes são Rapa-Nui. Existem apenas 39 famílias na ilha e hoje só é permitida a união entre parentes de quinto grau, para evitar problemas genéticos.
Montamos as bikes no mesmo dia e como era quase fim de tarde aproveitamos para dar uma curta pedalada para assistir um dos mais belos pôr-do-sol do planeta no sítio de Tahai, onde conhecemos as primeiras imagens dos moais. À noite aproveitamos para comer o curanto, que é uma especialidade da ilha, à base de peixe, frango e carne, que leva quatro horas para ser cozido em um buraco na terra.
SEGUNDO DIA – 55 km – VULCÃO RANO RARAKU E 15 MOAIS
O previsto era de pedalar até os 15 moais e o vulcão Rano Raraku. Seguimos pela estrada de terra que acompanha quase todo o litoral sul da ilha. O caminho foi praticamente plano, e na ida o vento sempre a favor. Chegamos aos 15 moais, num local conhecido como Tongariki, ou seja, que é a maior ahu – ahu da ilha, ou seja, a maior das plataformas retangulares de pedras justapostas que servia de base para os moais – Esta plataforma de 250 metros é considerada a maior estrutura megalítica do mundo. Os ahu continham os ossos das pessoas representadas pelos moais que sustentavam. Na frente dessas plataformas, um círculo de pedras desenhado no chão indica o local onde ocorria um dos rituais mais importantes da cultura local: a evocação do dos espíritos dos sábios mortos. Hoje esses locais sagrados são locais muito procurados por espíritas, videntes e mágicos, que ali tentam estabelecer um contato direto com os detentores do antigo saber rapa-nui.
De lá seguimos para o vulcão Rano Raraku, que também é conhecido como fábrica de moais. Ali pegamos a primeira grande subida, coisa rara na ilha. Durante o caminho era possível ver a grande quantidade de estátuas espalhadas. Quase todas as estátuas foram esculpidas na enorme cratera do vulcão, cujas bordas são abundantes em pedras de tufo. Em toda ilha foram localizados mais de mil, esculpidos em diversas formas e tamanhos. Os mais antigos que datam do século VIII, são menores (cerca de 5 metros) e mais naturais. Os últimos, muitos dos quais ainda grudados na montanha aonde vinham sido esculpidos, no início do século 13, chegam a superar 21 metros de altura e têm linhas mais estilizadas. Uma das maiores curiosidades sobre os moais é saber de como essas imensas estátuas foram movidas intactas desde o canteiro de obras até o ahu de destino, alguns localizados na extremidade oposta da ilha. Para os Rapa-nui os moai foram levitados por alguns sarcedotes com um fantástico poder mental. .
Sabe-se que as estátuas personificam os chefes fundadores das dez grandes tribos que repartiam a ilha. São, portanto parte de um culto comum em toda a Polinésia. Quase todas as estátuas estão dispostas de costas para o mar, com o rosto voltado para o interior da ilha. A tradição oral da ilha explica que a proteção mágica, chamada mana, dispensada pelos moai partia de seus olhos. Isso vem explicar o porquê dos moai dos ahu abatidos com o rosto para o chão: é que num período de guerras tribais, cada adversário teria assim procurado cancelar a proteção sobrenatural de seu antagonista derrubando seus moai.
TERCEIRO DIA – 31 km – VULCÃO DE TEREVAKA E 7 MOAIS
No terceiro dia seguimos em direção ao ponto mais alto da ilha, o vulcão de Terevaka, com uma altitude de 507 metros. Seguimos por uns nove quilômetros pela única estrada asfaltada da ilha até a estrada de acesso ao vulcão. A partir daí era só subida. Este é um dos poucos locais da ilha onde tem uma vegetação mais densa, contrastando com o grande pasto sem árvores que estávamos acostumados a ver. Alguns cientistas defendem a tese, que é a melhor que sustenta de nossa discussão no dia anterior, é que no passado a ilha era coberta por uma densa floresta e que teria sido extinta no transporte das imensas estátuas. Elas eram transportadas em toras de madeira, que eram roladas sobre batatas doces e inhame para diminuir o atrito.
No topo da ilha temos uma vista de 360 graus e mesmo nessa altitude o mar parece que vai nos engolir. Depois de muitas fotos veio à parte boa, o Down Hil do Vulcão, foram quase três quilômetros de muita adrenalina, em alguns trechos chegamos a mais de 60 km/h. A descida termina praticamente no ahu A Kivi, que são sete moais e os únicos que estão a olhar para o mar. Eles simbolizam os sete navegantes enviados do rei Hotu Matu`aque saíram de Hiva, nas Ilhas Marquesa, na Polinésia, em direção ao norte.
Viajaram várias semanas e quase quatro mil quilômetros até encontrar o que procuravam. Uma ilha deserta, com água potável, clima agradável, mar azul e principalmente tão distante que ninguém pudesse aborrecer seu rei. Isso aconteceu há 600 anos.
QUARTO DIA – 44 km – PRAIA DE ANAKENA E OVAHE
No quarto dia, a idéia era de não forçar e a pedalada foi pela estrada asfaltada da ilha, que corta ao meio ligando a única cidade da ilha, Hanga Roa até a paradisíaca praia de Anakena, que serviu de moradia para antigos governantes de Páscoa.
Depois de 22 km de pedal chegamos a tão falada praia de Anakena, lugar de diversão e piquenique para os nativos. Depois seguimos para praia ao lado que se chama Ovahe. As duas são tão pequenas quanto belas.
QUINTO DIA – 31 km – VULCÃO RANO KA
Foi o dia da subida do vulcão Rano Ka, no sul da ilha, que fica a apenas 300 metros de altitude. A estrada de terra é boa e não oferece tantas dificuldades. Chegando lá ficamos de boca aberta com a beleza do vulcão. Dentro de sua cratera um grande lago. Segundo os nativos, um banho nas águas da cratera do vulcão Rano Kau, enche o corpo de energias vindas direto do ventre da Terra. Próximo dali está à cidade cerimonial de Orongo que foi palco de uma competição anual conhecida como Homem Pássaro. Uma vez por ano todas as pessoas da ilha mudavam para lá para assistir à competição que durava um mês. Vencia aquele que conseguisse trazer para ilha o primeiro ovo do pássaro manu tara (uma espécie de gaivota). O vitorioso garantia ao chefe de seu clã o título de homem-pássaro, com status de deus (maki maki) na terra e o poder de comandar todos durante um ano. Essa competição começou a ser organizada por um rei esperto que resolveu substituir a matança das guerras entre as tribos da ilha por esta competição. A fúria entre as tribos chegou a um ponto que, por vários anos os rapa nui praticaram o canibalismo.
As virgens também participavam desta festa, quando eram submetidas a um teste de beleza (a brancura da pele valia muitos pontos) e de anatomia sexual (quanto maior o clitóris, melhor a pontuação). Historiadores calculam que a festa do homem-pássaro se realizou por mais de quatro séculos.
A festa de Orongo acabou junto com a realeza de Páscoa. A ilha, descoberta no Domingo de Páscoa (o que explica seu nome) de 1722, pelo navegante holandês Jacob Roggerseen, entrou pouco depois na rota dos viajantes e piratas. A última cerimonia do homem-pássaro teria ocorrido em 1876, quando os missionários católicos proibiram para sempre. A cada visita, eles iam embora levando muitos escravos. Em um desses assaltos foi capturado o rei Hiro Roko, que morreu no continente. Sua morte resultou na perda de boa parte dos rituais religiosos e conhecimentos ancestrais dos rapa nui. Permaneceram em Orongo, importantes provas da sofisticação atingida pela cultura pascoense: incisões rupestres indicam cálculos de eventos astronômicos à existência de uma religião monoteísta na ilha, coisas no mínimo inusitadas entre os povos primitivos.
SEXTO DIA DE PEDALADA – SINGLE TRACK PELO LADO NORTE DA ILHA – 40 km
Em nosso penúltimo dia de pedalada fizemos o trecho mais difícil da ilha, o lado norte, que liga também a praia de Anakena, quase tudo por trilha.
Logo próximo do centro de Hanga Roa chegamos novamente ao ahu Tahai, só que agora sem o pôr- do-sol. É o local com um conjunto de três altares cerimoniais, com sete estátuas e um sítio arqueológico com casas considerado em melhor estado de preservação. A sétima estátua ao norte tem chapéu, sinal de que foi feita para homenagear uma divinidade poderosa.
Seguindo ainda pela estrada de terra chegamos logo depois à caverna das duas janelas. Com dificuldade entramos no pequeno buraco quase cavado no chão, depois a caverna fica maior e a menos de dez metros dali dois buracos com vista para o mar. Logo depois a estrada termina e daí para frente, é só trilha, e sempre beirando o mar. Em alguns trechos a trilha se perde, mais é só seguir em frente que é facilmente encontrada. Em outros trechos é impossível pedalar devido à grande quantidade de pedras.
Foi o caminho mais difícil e mais gostoso de toda a semana, pois aquilo ali era o verdadeiro espírito do mountain bike. Algumas horas depois chegávamos novamente à bela praia de Anakena. Chegamos ao asfalto e novamente encaramos os quatro quilômetros de subida no asfalto. Três quilômetros antes de chegar à cidade saímos do asfalto e seguimos por uma estrada de terra que valeu a volta.
SÉTIMO E ÚLTIMO DIA DE PEDALADA – ATÉ O UMBIGO DO MUNDO – 55 km
Em nosso último dia de pedalada saímos em direção a costa oriental da ilha. Com o vento a favor chegamos rapidinho onde está localizada uma grande pedra redonda.
Para dar asas à imaginação das ancestrais tradições rapa nui o nome dado à ilha pelos primeiros polinésios que ali aportaram, por volta de 380 d. C., é Te Pito o Te Henua, que significa “umbigo do mundo”. Para muitos isso indicaria que os polinésios já sabiam que haviam encontrado um dos chakras do planeta, ou seja, um daqueles sete pontos onde a energia flui com especial prodigalidade. Por isso um dos locais preferidos dos místicos que vão até a ilha é o ahu Tepito Kura. Ali uma grande pedra redonda acabou sendo escolhida como a representação simbólica do umbigo cósmico. Pessoas do mundo inteiro vão até lá para simplesmente tocar a pedra, esfregar e evocar os bons fluídos que acreditam emanar dela.
Com bons fluídos voltamos novamente pelo asfalto e novamente a grande subida. Se não fosse a energia da pedra redonda com certeza íriamos esperar uma carona para não Ter que subir novamente a subida mais chata da ilha. E para fechar em chave de ouro e não pelo asfalto entramos em outra estradinha de terra, completando nossa pedalada rapa-nui percorrendo todas as estradas e as principais trilhas deste lugar mágico chamado Ilha de Páscoa.
Algumas dicas para pedalar na ilha de Páscoa
- A melhor maneira de se conhecer a ilha é em cima de uma mountain bike, mas há quem prefira ir de jeep, moto ou cavalo.
- É possível alugar boas bicicletas na ilha.
- Se você levar sua bicicleta fique ligado no peso permitido para se levar no bagageiro do avião, confira as regras da companhia para não ter nenhuma surpresa desagradável.
- Leve equipamentos sobressalentes: um pneu reserva, câmara de ar e alguns raios, pois em todos os roteiros existem muitas pedras e não é difícil ter um pneu rasgado ou um raio quebrado e lá não tem onde consertar.
- Leve repelente e é claro seu capacete.
- A moeda na Ilha de Páscoa é o peso chileno, mais em qualquer lugar o dólar é aceito, mais pague tudo em peso porque o câmbio feito pelo comércio local nem sempre é vantajoso para o turista.
Um pouco mais sobre a Ilha de Páscoa
A ilha de Páscoa fica no meio do Oceano Pacífico a 3.700 km da costa chilena e a 4.000 km do arquipélago do Tahiti. Ela foi anexada ao Chile em 1888.
A Lan Chile realiza vôos constantes para lá.
O clima da ilha é muito semelhante ao clima do sudeste brasileiro, na maior parte do ano a temperatura se mantém estável em 25 graus. Uma chuva típica de regiões subtropicais pode cair no final da tarde, porém nunca dura muito.
A alta temporada vai de janeiro a março, sendo que na última semana de janeiro e a primeira de fevereiro acontece à maior festa da ilha, o Tapati. No inverno, que vai de maio a agosto chove muito, mais para quem quiser curtir as pedaladas com sossego os outros meses são ideais.
Lugar para comer também não falta na ilha, à base da culinária pascoense é o pescado (atum e corvinas),
Um dos maiores acontecimentos na ilha de Páscoa foi à filmagem durante oito meses do filme Rapa Nui, de Kevin Costner. Só que devido à história fantasiosa demais o filme foi renegado pelos rapa nui. Neste tempo todo de filmagem uma equipe de 200 pessoas se mudou para ilha, inclusive Kevin Costner e impôs um ritmo americano ao dia a dia de Hangaroa. A chegada dos americanos provocou também uma febre de consumo entre os moradores da ilha. Quase todos os nativos rapa-nui participaram das filmagens como figurantes e receberam caches por isso.
Festa do Tapati
Tapati significa semana em rapanui, mas a festa já dobrou sua duração inicial. Acontece no último final de semana de janeiro e primeiro final de semana de fevereiro. A festa foi criada para lembrar e preservar as tradições culturais genuínas da ilha, mais se transformou rapidamente no maior festival de toda a Polinésia, atraindo mais de 15 mil turistas a cada ano. A festa é uma gincana com a participação unânime dos rapanui. O objetivo final é a eleição da jovem rainha, que recorda a antiga escolha da virgem oferecida ao Tangata Manu, o homem-pássaro.
As equipes candidatas passam por várias provas esportivas e culturais, como a exibição de grupos de dança folclórica, concursos de pintura corporale disputas entre artesãos para a escultura de pequenos moais. Uma das provas mais empolgantes acontece nas bordas do vulcão Rano Raraku, onde jovens disputam uma espécie de triátlon que une a travessia a nado do lago vulcânico, voltas completas na cratera e uma corrida com pés descalços e dois enormes cachos de bananas nas costas.
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